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quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Lei Rouanet e Lei do Audiovisual


Existe o seguinte dilema na produção de documentários por parte dos produtores independentes.
Não que este seja o único dilema.
Mas 'ele' existe, inquieta e de certa forma
contém a expansão da criação e da produção cultural no Brasil.

O dilema é:
uma vêz que somos produtores independentes e necessitamos de verba para realizar nossos projetos, iremos recorrer aos mecanismos de fomento administrados pelos órgãos da Cultura do Governo Federal (Lei Rouanet e Lei do Audiovisual)?
Pergunto isso porque hoje em dia está quase tão difícil ter um projeto aprovado pelas leis de incentivos fiscais, quanto conseguir de fato o patrocínio de alguma empresa.
A carga burocrática desses órgãos é tão absurda quanto a falta de conhecimento dos mesmos. Citarei como exemplo o Ministério da Cultura (Minc) e a Agência Nacional de Cinema (Ancine).
E são exemplos reais, fatos.
Para solicitar ao Minc aprovação de um projeto cultural, e só depois dessa aprovação ser possível procurar patrocínio em troca de abatimento no imposto de renda da empresa patrocinadora, nos deparamos com um formulário eletrônico a ser preenchido no Salic Web, no site do Ministério. E aí surgem problemas: Temos que enquadrar a realidade do nosso projeto à 'verdade' que o Minc dispõe, em ítens que não se encaixam. É como se fosse uma prova de múltipla escolha na qual várias questões só tivessem respostas erradas e fôssemos obrigados a marcar alguma delas só para satisfazer o professor. E depois ainda teremos que aceitar passivamente a nota ruim que certamente virá. E não é um formulário que se preencha de uma só vez, para enviar pela internet ou pelo correio. Cada ítem tem que ser preenchido isoladamente (obedecendo o tal critério de 'múltipla escolha') e aí sim o item pode ser inserido naquele quebra-cabeças louco chamado de 'proposta'. Mas antes de tudo isso há ainda por parte do Minc a arrogância de definir o que é ou não é 'cultura'. O Minc não aceita, por exemplo, um documentário sobre o meio ambiente porque meio ambiente é assunto de outro ministério (do Meio Ambiente). Palavras da coordenadora responsável pela avaliação de projetos do Minc, em Brasília, chamada Marcia, falando comigo. Então ela 'sugeriu' que o meu documentário falasse mais das populações envolvidas em questões ambientais do que propriamente em meio ambiente, e aí sim o Minc poderia analisar o projeto deste documentário... E quem são eles para dizer a um artista o que é e o que não é arte? Para dizer o que pode e o que não pode ser feito? Para definir o que as empresas podem ou não podem patrocinar? Essa conversa aconteceu no final do governo Lula. Mantive o conteúdo do documentário e o reapresentei com ligeiras modificações quanto à abordagem do mesmo. E o que aconteceu? O projeto (formulário quebra-cabeças-eletrônico que me havia consumido horas extenuantes de trabalho) sumiu da página do Minc. Solicitei, reclamei, e nada! Era como se o projeto (ou 'proposta') nunca tivesse existido e nem sido enviado ao incompetente Ministério da Cultura. Aí veio o governo Dilma ... esperei uns meses e entrei de novo na página específica e tudo continuava como dantes...
Como sou afiliado à Ancine (Agência Nacional de Cinema) através da qual também se pode tentar aprovar projetos para este fim, achei que lá seria melhor. De início me animei com o formulário bem mais realista em relação às etapas de produção de um filme. Pode-se preenche-lo de uma só vez para depois imprimir e enviar pelo correio. Juntei toda a documentação, imprimi, xeroquei e enviei pelo correio. Caiu em exigência (faltava o meu currículo). Tudo bem, apesar de eu já ter mandado o meu currículo para lá umas dez vezes. Refiz a documentação e mandei pelo correio de novo. Nova exigência. Aí começa uma sessão interminável de emails. Os técnicos de lá não conseguem responder claramente o que é preciso enviar, e o que é pior, uma técnica me diz que posso enviar, entre várias opções, um substitutivo ao roteiro (por tratar-se de documentário e não de ficção) e entre eles sugeriu que eu mandasse um detalhamento da concepção artística e expressiva do filme, mandei pelo correio de novo. Nova exigência, novo email. Outro técnico surge nas negociações por email e diz que tenho que enviar cópia do roteiro registrado na Biblioteca Nacional (tudo isso está guardado em emails). Mas é documentário! Não tem roteiro de filme de ficção! E o prazo da Ancine é de um mês para enviar toda a documentação, ao passo que o prazo da Biblioteca Nacional para aprovação de roteiro (ou argumento) é de 90 dias!
Conclusão, nessa incoerência de informações por parte da Ancine expirou-se o meu prazo para concluir o tal processo.
Nessas tarefas perdi dinheiro e meses de trabalho.
Então resolvi meu dilema! Vou produzir meu novo filme com recursos próprios. Ou recursos de terceiros, mas sem Lei Rouanet, sem Lei do Audiovisual, nem Ancine e nem Ministério da Cultura.
E olha que eu já tive, em outras épocas, projetos aprovados por estas Leis.
Mas a intromissão que se vê agora do poder público sobre os meios de produção cultural no Brasil está digna de uma ditadura cultural, na qual a burocracia tem seu principal instrumento de manipulação. É um retrocesso estes órgãos quererem controlar todo o processo que vai do criador ao espectador, via patrocinador.

Alguns produtores até comemoram quando seus projetos são aprovados por estas Leis (o que não significa que obterão patrocínio). Eu só vou comemorar quando iniciar as minhas filmagens, do jeito que der. E também vou comemorar quando a miopia e a ineficiência saírem dos Ministérios, Agências e etc., dos órgãos que deveriam apoiar e facilitar a produção artística no Brasil.
Segundo disse uma vez José Wilker: 'eu não peço que me ajudem, só quero que não me atrapalhem...'

Feliz 2012!


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